Deixa que os meus olhos te observem. Eles não te vão fazer mal, eles não te vão magoar. Nem quando eles se assemelham a um luar, nem quando quase me transformo em canibal. Nunca te vou deixar, gritei eu 5 minutos antes de partir. Não podia ficar sabendo que assim o prometi, percebeste isso no momento em que me olhei nos olhos, tentara encontrar a razão para sair. Sem sucesso, segui sem suspeitas, segui sem razões, segui sem perdões, segui sem consentimento, meu ou alheio. Um dia vou voltar, talvez. É mais que certo que te voltarei a ver, é mais que certo que serei diferente, é mais que certo que continuarei o mesmo... Continuei, devagar prossegui, não havia o que olhar por cima dos ombros, não havia do que fugir, não havia para onde me apressar. Era assim que eu gostava, era assim que podia suavemente deprimir na minha alegre solidão. Comecei então a planear o momento do não próximo regresso. Havia uma festa? Algo do género, mas não. Os copos estavam partidos e as bebidas quentes. Os balões ainda estavam lá, mas já enrugados pelo tempo, as crianças não corriam, o leitor estava encravado e a musica não rolava, apenas a repetição daquele verso se fazia ouvir. À medida que me aproximava a curiosidade apertava, que festa era aquela? Era cinzenta e sem alegria, quando lá cheguei, finalmente, já lá não estavas, ou só lá estava o teu corpo. Assim como o de toda a gente...curiosidade, medo e raiva me assolavam, curiosidade, medo e raiva me perseguiram. Decidi re-imaginar...mas não mudava, era como se de uma visão do futuro se tratasse. Será que...? Não sei, não sabia pelo menos. Só havia duas opções, ou confiava que aquilo não passou dum sonho mau e continuava com a minha viagem, ou acreditava que tinha poderes adivinhatórios e voltava para trás para vos ajudar...Mas ajudar quem? Não conhecia ninguém daquela festa para além de ti, porquê uma festa de recepção com gente que não me conhece? Acreditei que era a minha imaginação apenas, acreditei que era apenas um pesadelo, acreditei que tinha tempo para voltar, acreditei que não era preciso salvar ninguém pois o perigo estava apenas na minha cabeça e...perdi-te. Perdi-te e a todos aqueles ilustres desconhecidos que se reuniram para me saudar. Será que perdi? Será que continuo a sonhar? É impossível terem passado tantas semanas e ter acontecido exactamente o que eu sonhei. É impossível, mas será? Parecia bem real, mas da primeira vez também parecia e não aconteceu...ou se calhar aconteceu e a minha mente criou esta ilusão para ludibriar a dor. Talvez se seguir viagem tudo se torne mais claro. Pois assim segui, e assim me fui afastando. Todas as noites acordava sobressaltado com aquela imagem na cabeça, com a duvida, com a tormenta. Será que aconteceu? Uma vez? Duas vezes? Já não dormia em condições há várias semanas. A minha vida era caminhar e ter pesadelos, ou pesadelo, sempre o mesmo, sempre a mesma imagem. Sempre a mesma festa, sempre a mesma figura tua: pálida e parada. Caminhei tanto, tentando perceber o que aconteceu que acabei por me perder. Não sabia onde estava nem sabia como voltar. Não sabia como estavas nem sabia se ainda estavas. Só o pesadelo continuava, já tinha decorado aquela imagem de horror. Sempre a lápis de carvão e nunca a lápis de cera. E agora?